“Escrever é traduzir” — José Saramago e a tradução
DOI:
https://doi.org/10.37508/rcl.2023.nEsp.a843Palavras-chave:
José Saramago tradutor, Walter Benjamin, transiberismo, tradução culturalResumo
Saramago deixou-nos a convicção de que “todos somos tradutores” e que “escrever é traduzir”. Este artigo pretende mostrar que muitos aspectos da vida e da obra de Saramago podem ser abordados numa perspectiva tradutológica, uma vez que existe ainda uma lacuna de literatura crítica sobre o assunto. O pensamento de Saramago sobre a tradução será explicado primeiro em termos gerais, através de uma breve comparação com Walter Benjamin, e depois especificamente em termos de tradução cultural, através do que ele entendia como iberismo e transibericidade. Os numerosos textos e entrevistas em que Saramago reflecte sobre as relações intra e extra-ibéricas permitem-nos analisá-lo hoje como tradutor cultural. Defendeu a necessidade de uma solidariedade intra-ibérica capaz de preservar identidades diferenciadas e chamou a atenção para a necessidade de uma tradução político-cultural transiberista. Defenderei que Saramago traduziu os etnocentrismos luso e espanhol em três ideias-chave. Em primeiro lugar, o carácter multicultural da Península Ibérica, que é um facto historicamente incontestável. Em segundo lugar, que as culturas ibéricas, sem as uniformizar, partilhariam uma base comum que as diferencia, por sua vez, da Europa. E, em terceiro lugar, a ideia de transibericidade como “tarefa de traduzir, respeitando o lugar de onde [viemos] e o lugar para onde [vamos]”, como diálogo com a doxa alternativa das culturas pós-coloniais.
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